Temer movido a diesel

Por Marcelo Leite

Não é incomum que o brasileiro seja assaltado pela sensação de que o país acelera em marcha à ré.  Se depender do Congresso, agora poderá fazê-lo empesteando o ar muito mais do que vínhamos fazendo até então.

 

Não se trata aqui de corrupção, impeachment ou golpe.  O assunto é outro tipo de sujeira, em sentido literal: poluição atmosférica.  Mais precisamente, a que se produz com motores a diesel.

 

A legislação brasileira não permite veículos leves movidos com esse combustível fóssil, derivado de petróleo.  Além de agravar o efeito estufa, como a gasolina (mas não o etanol), o diesel é o maior responsável por poluentes péssimos para a saúde, como material particulado fino e óxidos de nitrogênio.

 

Segundo Rodrigo Lima no jornal “Valor Econômico”, as partículas finas emitidas pelo diesel provocam em torno de 3% das mortes no mundo por moléstias cardiovasculares, 5% dos tumores de pulmão e 3% das mortes de crianças de até cinco anos.

 

É verdade que alguns jipões e camionetes conseguem burlar a saudável limitação do diesel a veículos de carga, graças a sua capacidade de transportar mais de mil quilos em suas carcaças luxuosas.  De modo geral, no entanto, esse óleo fica restrito a caminhões e ônibus, 9,8% da frota nacional.

 

Até agora.  Tramita no Congresso desde 2011 um projeto de lei (PL número 1.013) para autorizar a produção e a comercialização de carros movidos a diesel.  Essa proposta temerária está para ser votada numa comissão especial da Câmara e pode chegar logo mais ao Senado.

 

Os parlamentares que patrocinam essa maluquice trafegam na contramão do mundo.  Na Europa, onde os veículos leves a diesel são comuns, já se cogita criar restrições ao óleo fóssil.

 

A discussão ressurgiu por lá com o escândalo da Volkswagen, que reconheceu a instalação de software viciado na eletrônica embarcada em 11 milhões de automóveis.  A gambiarra servia para que se saíssem bem nos testes de emissões de poluentes.

 

Nas condições reais de uso em ruas e estradas, a sujeira ejetada dos escapamentos era bem maior.  Depois da VW, outras montadoras confessaram truques similares.

 

A disseminação das fraudes pode estar por trás da dificuldade enfrentada, em várias cidades europeias, para cumprir os padrões de emissão de compostos e partículas danosos à saúde.  Não é pouca porcaria: os fabricantes dos carros batizados arriscam enfrentar punições bilionárias por lá e nos EUA.

 

Em meio ao tumulto legislativo instalado no Brasil, não será surpresa se essa sandice prosperar.  Não faltarão parlamentares espertos para vaticinar que motores alimentados com esse combustível ajudariam a mover a economia e a gerar empregos.

 

Eis aí um bom teste para o novo ministro do Meio Ambiente.  Com larga experiência no Congresso e um sobrenome de peso, para o bem e para o mal, Zequinha Sarney (PV) precisa se esforçar e usar de toda sua influência para impedir que a matéria avance ao plenário.

 

Se não se mostrar capaz disso, restará ao presidente interino Michel Temer (PMDB) vetar o desatino.  Isso, claro, se fizer alguma questão de não passar para a história como mais um governante a emporcalhar o Brasil.

 

Marcelo Leite  É repórter especial da Folha, autor dos livros “Folha Explica Darwin” (Publifolha) e “Ciência – Use com Cuidado” (Unicamp).  Escreve aos domingos e às segundas.

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