Rodrigo Lima no Valor Econômico: O Novo Código Florestal e a ameaça de retrocessos

A agenda de implementação do Código traz a enorme oportunidade de tornar o setor produtivo o maior conservador de vegetação nativa do mundo

A proximidade do prazo de dois anos para o Cadastro Ambiental Rural (CAR), as incertezas sobre os Programas de Regularização Ambiental (PRAs) que balizarão a adequação dos produtores, como é o caso do Estado de São Paulo, e a audiência pública sobre a inconstitucionalidade do Código Florestal no Supremo Tribunal Federal (STF) reacendem o debate sobre o novo Código.

Antes de entrar no debate, é válido esclarecer que este novo Código Florestal possui três pilares que estão interligados e criam, pela primeira vez, regras para a regularização ambiental: 1- o CAR, que permitirá conhecer as áreas produtivas e as áreas preservadas (Áreas de Preservação Permanente, APPs e Reserva Legal, RL), bem como as áreas que deverão ser restauradas no processo de regularização; 2 – os PRAs estaduais, que nortearão a regularização; e 3 – os Termos de Compromisso, que deverão ser assinados por todos os produtores que tiverem passivo a regularizar.  Sem deixar de citar que esses que possuírem passivos estão proibidos de converter novas áreas, o que será extremamente positivo para conter o desmatamento.

O CAR não termina no dia 5 de maio, é um instrumento permanente.  Quem não fizer o cadastro até esta data ficará sujeito às sanções, como também não terá as flexibilidades que o novo Código Florestal trouxe no contexto da regularização para quem converteu áreas até 22 de julho de 2008 (compensação de RL, consolidação de certas áreas).  Nesse sentido, é essencial que os produtores e o Estado, no caso das propriedades menores, façam o CAR no prazo para obter os benefícios da regularização duramente conquistados no novo Código.


Implantação do Código é oportunidade de tornar o Brasil protagonista na agropecuária de baixo carbono

Até fevereiro de 2016, foram cadastrados 67,5% do total de 397,8 milhões de hectares.  Dos 129 milhões de hectares a serem cadastrados, 65 milhões são áreas de assentamento rural (51%).  A ocupação centenária, a falta de clareza dos produtores sobre as regras para regularização e a omissão do Estado em cadastrar as áreas da agricultura familiar explicam os dados do CAR nas regiões Nordeste e Sul, as mais atrasadas, de 38,4% e 35,7%, respectivamente.

A despeito dos inúmeros problemas ligados ao cadastramento (falta de documentos e regularização fundiária, sobreposição de áreas, falta de conexão de sistemas estaduais ao Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural, Sicar, precária estrutura nos órgãos ambientais), é preciso separar o total de área cadastrada e a de não cadastrada.

O Brasil nunca teve um banco de dados como o CAR, que em quase dois anos está conseguindo registrar grande parte da área.  Esse instrumento trará dados de caráter ambiental e sobre as áreas produtivas, agregando um conjunto de informações para a gestão da propriedade rural e, talvez mais importante, enviando ao mercado, aos bancos, ao Ministério Público e à sociedade um sinal de que o primeiro passo da regularização foi feito.

Com relação ao PRA, são obstáculos tanto a falta de regulamentação pelos Estados, inviabilizando a previsibilidade da regularização dos passivos, como a aprovação de normas que inovam inadequadamente, atravancando o processo.  O caso do PRA paulista é um exemplo, pois até o momento inviabiliza a compensação da Reserva Legal em função de omissões na legislação.

Diante desses fatos, há quem entenda que o processo de regularização está caminhando, mesmo que com solavancos, tendo o CAR como ponto de partida, e há quem entenda que o novo Código é um enorme retrocesso e deve ser derrubado.

No dia 18 de abril ocorrerá audiência pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins), que visam derrubar dispositivos do Código (benefícios e metragens diferenciadas para APPs e RLs consolidadas, possibilidade de contar as APPs como parte da RL, compensação da RL, por exemplo).

A pressão do Ministério Público para que produtores assinem Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) para restaurar APPs e RLs, e ainda averbar áreas de RL, bem como a corrida das multas imposta pelos órgãos ambientais, cria um cenário de recrudescimento em torno de uma lei que, em 2012, selou um grande acordo ligado ao uso da terra.

O novo Código precisa ser analisado sob seus aspectos ambientais, sociais e econômicos.  Retroceder geraria um novo embate jurídico que teria como consequência imediata suspender o processo de regularização.

Neste contexto, é válido lembrar que o novo Código Florestal é a base dos principais compromissos levados pelo Brasil para a COP-21, Conferência da Convenção do Clima: redução de desmatamento, restauração, recuperação de pastagens degradadas e promoção de biocombustíveis.

O novo Código é uma lei ambiciosa que exige a cooperação dos entes públicos, dos produtores, da cadeia produtiva e de organizações que têm como visão aprimorar e expandir a produção agropecuária e, ao mesmo tempo, fomentar a conservação ambiental.

A agenda de implementação do Código traz a enorme oportunidade de tornar o setor produtivo o maior conservador de vegetação nativa do mundo.  Em paralelo, tornar o Brasil protagonista na agropecuária de baixo carbono e obter o reconhecimento do mercado (interno e externo) quando se trata de sustentabilidade.

Chegou a hora de construir políticas inovadoras que permitam promover a restauração florestal, acabar com o desmatamento ilegal e recuperar áreas degradadas.  Esse deve ser o mantra das políticas agrícolas e ambientais brasileiras no tocante ao uso do solo nas próximas décadas.  Basta que cada elo dessa enorme cadeia, envolvendo órgãos públicos e setor privado, cumpra sua parte.


Rodrigo Lima é advogado, mestre e doutorando em Direito das Relações Econômicas Internacionais e diretor geral da Agroicone.

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